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domingo, 26 de junho de 2011

O AMOR DE SI E A INTIMIDADE COM O OUTRO

“O amor é uma afirmação de si na afirmada intimidade do outro” (Juan Cruz Cruz)

O amor na tradição cristã é sempre uma via de duas mãos. Nunca estamos sozinhos no amar. Não existe amor solitário, nem existe algo como que um lugar onde os efeitos de quem sou não causem impacto.
Tudo no universo de Deus foi feito para refletir a trindade. Ela é uma fusão de intimidades que mantém a liberdade das pessoas envolvidas.
Tudo o que é criado é um reflexo de tal intimidade e existe para promovê-la entre os seres humanos. Tudo no universo é intimista. Tudo no universo chama à comunhão, à intimidade, ao amor.
Tudo o que existe é relacional. Simplesmente não há nada criado que não faça sentido, que não tenha seu propósito. Se existisse algo assim, poderíamos dizer que esse algo tem personalidade própria. Mas nada do que existe tem sua substância própria, tudo o que existe é derivado. É criado. Só Deus é o criador em quem todas as coisas fluem e existem (Cl 1.15-17, At 17.28).
Se assim, é o amor é sempre um afetar. Quando amo afeto ao outro, mas como tudo o que é criado é interpenetrável, no ato de amar afeto a mim mesmo.
Se vivo a vida sem cuidados para com tudo o que existe, eu a mim mesmo relativizo. Eu a mim mesmo descontruo. Eu a mim mesmo degrado.
A história da salvação em Cristo Jesus é uma história que refaz as coisas em seu sentido original, puro, alegre, saudável e altamente prazeroso.
O amor é um ato de construção, que vai contra nossa tendência destruidora. É um ato que valoriza o outro, é um refazer o outro à imagem de Deus, ao mesmo tempo em que me refaço.
Por isso o Apóstolo João dizia que não existe amor a Deus sem amor ao irmão. Porque, quando estamos em Deus, construímos e somos construídos no novo. Viver isso é refleti-lo, é curar.

segunda-feira, 20 de junho de 2011


AÇÕES COMO RESULTADO DE UM ESPLENDOR

Fico muito aborrecido quando vejo as coisas serem tratadas de maneira forçada. Para ser honesto, detesto quando vou pregar ou visitar alguma igreja e o pastor manda a gente virar e dizer “eu te amo” para a pessoa ao lado. Acho isso uma grande chatice, apesar de entender as intenções de quem manda a gente fazer isso. Acho que fica forçado, plástico.

Fico pensando se isso tudo não é resultado de nossa má compreensão sobre o devido comportamento cristão. O que chamamos de discipulado.

Não tem como a gente fugir. Se somos discípulos de Jesus temos de andar como Ele andou (I Jo 2.6). Isso implica em amar como ele amou e fazer as coisas que Deus nos disse para fazer e ponto final.

Acho uma coisa muito fora de moda, e besta, vivermos uma aparência de amor a Jesus quando a gente não se submete, ou pelo menos não lutamos por isso, nem sofremos por isso.

Mais nojento ainda é quando somos ensinados a viver como Cristo sem sermos ensinados sobre os aspectos reais que devem nos motivar a isso.

O motor para mudanças de vidas não pode ser uma coisa sem prazer, sem vida e sem beleza. Dostoiesvisk colocou na boca de um de seus personagens a seguinte frase: “a beleza salvará o mundo”.

O salmista dizia que: “Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Sl 16.11).

Desta forma o comportamento cristão deve ser sempre o resultado de uma percepção. Uma percepção que é absorvida pelo que se experimenta diante da face de Deus. Deus é um ser luminoso, altamente gozável, perpassado de júbilo, prazer e intensidade de vida. A presença de Deus é uma festa eterna sem horas para acabar.

O drama é que não sentimos isso. E isso é assim porque somos ensinados mais ao fazer para Deus do que ao ser em Deus. Falta-nos uma visão. Falta-nos uma fruição. A fruição do esplendor. Só isso pode nos encher de gozo indizível. Isso pode ser experimentado pelos cristãos e é melhor do que todo gozo com cheiro de esgoto do pecado.

Bruno Forte disse que: “Belo é o oferecer-se do Todo no fragmento, o evento de uma doação que supera a distância infinita”. Dessa forma, belo é Deus doando-se nas partes da criação que veiculam prazer e beleza.

Andar e viver como Jesus deve ter uma proposta altamente gozável. Não temos nenhum tipo de ação volitiva sem isso. Fomos feito para esse Ser altamente gozável e profundamente belo, um Ser pleno de delícias e paz. Assim é a Trindade.
Tomara que você experimente isso no meio das chatices da vida.

Marco Antonio Fernandes.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A ARTE DOS ENCONTROS

A vida de Jesus Cristo foi uma vida de encontros. Um dos mais conhecidos é quando ele se aproxima e desenvolve uma conversa com a mulher samaritana (Jo 4 1-30)

Todo encontro tem algo em comum. Eles são mais do que um ser humano ver o outro. O encontro segundo as Escrituras é um adentramento de histórias. Jesus adentrou a história da mulher samaritana por etapas. Encontro é um caminho que vamos desenvolvendo, um envolvimento de idéias, emoções, cura, respeito e contemplação do outro.

Todo encontro é feito por um impulso interior inerente a todos os seres humanos. Temos uma pulsão para ir além. Esse impulso é desejo de encontro. É uma sede. Jesus pede água à mulher samaritana nesse encontro (v.7). Jesus tem sede física, mas fica claro que logo essa sede é um ponto de partida para algo mais profundo.

Sua sede logo é um ponto a ser transferido para uma realidade mais intensa. Ele além de querer matar sua sede, tem também o desejo de matar a sede do outro. Ele diz a mulher: “Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: da-me de beber, tu lhe pedirias e ele te daria água viva” (v. 10)

Daí podemos supor que a arte dos encontros envolve dois seres sedentos de vida, onde ambos são artistas principais no enredo. Ambos recriam. Ambos devem receber o que o outro oferece. É uma troca. Vida acrescida. É a explosão do novo.

Encontro deve sempre ser uma mistura de histórias que geram vida, transformações e prazer. É a arquitetura para um novo mundo, uma nova experiência de fé e beleza, uma transformação gloriosa.

Infelizmente como seres pecadores que somos perdemos nossa sensibilidade pelos encontros. Os seres humanos para nós passam a valer pelo que podem nos dar. Ao receber deles o que podem nos oferecer apenas os despersonalizamos, e o pior, nos desfiguramos como gente.

Existem casamentos sem encontros, igrejas sem encontros e paixões sem encontros. Mas a fome de nossa cultura é fome de encontros.

Encontros são coisas que nos saciam. Revelam-nos. Nos ampliam. Sempre aprendemos quem somos se formos olhados corretamente pelo olhar e escuta que o outro faz de nós. Por isso definitivamente precisamos como cristãos de mais tempo para encontros e comunhão. Isso é a arte de ser gente na caminhada com outros peregrinos.

Por fim a história de Jesus e a Samaritana nos revela que encontros para serem únicos e efetivos devem envolver Jesus. Deus deve ser o alvo dos encontros. Jesus deve ser experimentado. É o único que pode saciar nossa maior fome e nossa maior sede. (v.14).

A vida humana é por assim dizer uma trama de encontros a ampliar-se indefinidamente e eternamente.

Marco Antonio Fernandes.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Santidade é vida

Sempre tive dificuldades com a palavra “santo”. Em minha mente vinham coisas como gente que não gostava dos prazeres da vida, gente que não gostava de arte, música, e que se isolava do mundo para ficar cantando, rezando, com roupas diferentes das pessoas, com uma maneira de penteado diferenciada, e, sobretudo que possuíam uma linguagem específica.

Uma das minhas maiores crises veio com a ideia de que os “santos” eram pessoas que não gostavam de culinária. Isso era difícil para mim, porque até hoje tenho como uma das minhas maiores fontes de prazer a boa mesa e adoro cozinhar.

Sempre tive dificuldades de ver o apóstolo Paulo apreciando uma boa massa, sua textura, sua cor e seus aromas. Nunca imaginei o apóstolo Pedro chegando a um restaurante e mandando devolver a picanha que ele preferiria ao ponto, mas veio bem passada.

Santo para mim era um tipo de extraterrestre. Aí comecei a ler o livro de Gênesis. E comecei a ver que o Criador de tudo era alguém que apreciava o prazer estético. Era alguém que criara as texturas, cores sabores, aromas. Comecei a ver que tinha de mudar meu conceito de “santo”.

Aí encontrei um poeta maravilhoso. Um jesuíta chamado Gerard Manley Hopkins, que tem um poema chamado Deus grandioso, e olha só o que ele diz da palavra “santo”:

“santo é o mais encarecido frescor presente no âmago das coisas”

Isso é fascinante, pois ele deu à palavra “santo” uma conotação de muita vida e não de tédio e ausência de beleza.

Se Deus é o criador, tudo nessa vida tem sentido, e a beleza que se inscreve na profundidade de cada coisa só tem um objetivo: falar de Deus, apontar para Deus e anunciar sua grandeza. É por isso que a maior afronta ao sagrado é não ver a santidade da vida e tratá-la de qualquer maneira.

Somente quando homens veem a profundidade santa do corpo feminino é que serão capazes de deixar de tratá-las como objetos sexuais; daí poderão ver que o sexo não é algo que fazemos com quem não casamos, pois a intimidade pede profundidade e abertura de vida na mesma estrada, de maneira integral. Sentiremos nojo da pornografia, do sexo isolado, do fechamento sobre nós mesmos.

Somente quando as mulheres enxergarem a santidade da masculinidade é que poderão parar de procurar patrocinadores para seus desejos e passar a olhar para um homem com intenções puras, belas, de entrega no amor e na afetividade de uma vida.

Somente quando aprendermos a ver o “fulgor presente no âmago das coisas” é que talvez comecemos a repensar a vida, e tratá-la de maneira mais calma, com uma agenda menos agressiva e com um equilíbrio emocional digno de ser chamado de “maduro”.

A santidade é a mais pura realidade, não a fuga dela. É a consciência de que Deus está exatamente aqui. E Deus é Santo.

A santidade não acontece sozinha, é preciso decisão em favor dela. Mas ao tê-la, alcançaremos o que poderíamos chamar de vida estonteante. Cheia de explosões de luz. Um turbinamento dos afetos, e uma festividade relacional.

Mudei meus pensamentos sobre a palavra “santo” e a cada dia mais Deus tem me levado a desejar ser como Ele, ou seja, Santo, Santo, Santo.

Isso é o que desejo a você!